Ainda hoje, a mulher é a principal responsável pela educação dos filhos e muitas gaguejam ou hesitam ao falar sobre sexualidade com os filhos. Na casa de Cristina Medina, mãe de duas adolescentes, a advogada resolveu agir diferente. Desde pequenas, as meninas foram criadas sem tabus e com liberdade para falar sobre qualquer assunto com os pais. Ela conta que, aos 9 anos, sua filha maior – hoje com 16 anos – explicou e demonstrou à mãe como se põe camisinha numa banana, após assistir a um programa de televisão.
Segundo a ginecologista e médica do Núcleo de Estudos da Saúde do Adolescente da Uerj, Isabel Bouzas, como todo período de mudanças, a adolescência inspira medo, dúvidas, insegurança e deve ser acompanhada com cuidado pelos pais. Para a especialista, a sociedade viveu uma liberação, mas não se preparou para lidar com a antecipação do início da vida sexual. O resultado é o aumento da gravidez antes dos 15 anos não só nos países subdesenvolvidos, alerta:
- Embora a sexualidade esteja presente desde a fase fetal do indivíduo, é nesse período que ela aflora. E nem sempre a maturidade física vem acompanhada da psicológica. Isso faz com que o adolescente se coloque em situações de risco e exposição, como uma gravidez indesejada, contato com doenças sexualmente transmissíveis, experiências sexuais ruins e até situações de abuso sexual ou violência. Para o adolescente, abrir mão de sua identidade de criança é também uma forma de perda.
Apesar do choque inicial, Cristina Medina aproveitou o momento para acrescentar ainda mais informações à descoberta, reforçar a importância do contraceptivo e contar que também usava o método porque não podia tomar remédios. Tudo isso numa linguagem simples, sem esconder a verdade nem revelar aspectos que fossem além do entendimento de uma criança.
- Sempre procurei mostrar que sexo é algo bom, natural, mas tem seu momento de acontecer. Por isso, acompanho o amadurecimento delas e reforço que iniciar a vida sexual é uma decisão de muita responsabilidade. Mas desempenho meu papel de mãe: elas sabem que não sou a melhor amiga e que podem contar com meu apoio em todos os momentos.
O resultado são meninas que estão vivendo cada etapa da adolescência a seu tempo: tiveram o primeiro beijo, namoram, mas a vontade de iniciar a vida sexual ainda não foi despertada. Além disso, elas não têm vergonha de compartilhar todas essas experiências com a família.
Adolescência: que bicho é esse?
Segundo Paulo César Pinho Ribeiro, pediatra, clínico de adolescentes e presidente da Sociedade Brasileira de Pediatria, é importante diferenciar puberdade – as transformações físicas que ocorrem durante o período da adolescência – desta importante fase da vida:
- Adolescência é um período de transição, em que ocorrem intensas mudanças físicas, psicológicas e sociais, e que prepara a criança para a função biológica da reprodução, promove o desenvolvimento psicológico e consolida sua integração no ambiente social. E acontece na segunda década de vida.
Ela chega cada vez mais cedo
O pediatra esclarece que também a puberdade tem chegado mais cedo. Estudos apontam que, a cada década, a entrada nesta fase se reduz em até três meses. Se há cerca de 50 anos, ela acontecia aos 14 anos, hoje, está em torno de 12 anos e 3 meses, alerta o especialista. Por isso, quanto mais cedo os pais se envolverem na educação sexual dos filhos, melhor para ambas as partes:
- As crianças aprendem pelo estímulo. Se você tem o hábito de elogiar seu filho, desenvolve sua autoconfiança. Tratando-o com respeito e amor, recebe o afeto como retorno. Se você fala a verdade, ele vai confiar em você. Se procura não expô-lo a situações embaraçosas, ele vai acreditar nas pessoas. Se os pais e a sociedade mostrarem habilidades positivas, as crianças e adolescentes vão incorporá-las a seu caráter.
A intensidade da adolescência também causa estrago
Apesar de toda a orientação, há momentos em que o ímpeto dos adolescentes vence e deixa os cuidados de lado. Na casa da dona-de-casa Izadir Farias, esse momento ocorreu em dose dupla: duas de suas quatro filhas adolescentes engravidaram juntas, aos 18 e 19 anos.
- Sempre falamos de camisinha, anticoncepcional, mas elas não se abriam. Quando nos demos conta, já não havia mais remédio: elas engravidaram.
Segundo a psicóloga, psicanalista e coordenadora do setor de Psicanálise e Saúde Mental do Núcleo de Estudos da Saúde do Adolescente é importante ver o sexo com naturalidade, retirando a conotação de “feio” e “proibido”, sem esquecer da responsabilidade que ele implica:
- Vejo que na adolescência tudo é muito intenso e os pais deixam seus filhos livres de tudo. O sexo acaba sendo uma fuga, uma aventura. Sem falar na influência da mídia, que banalizou a questão e faz com que as experiências aconteçam antes do que deveriam. A influência dos meios de comunicação não deve, de forma alguma, ser maior do que a da família – revela a psicóloga.
Para a estudante Tatiane Fernandes, de 20 anos, a falta de diálogo em casa influenciou em sua gravidez inesperada. Com uma filha de dois anos, ela revela que em sua nova família, a relação será bem diferente:
- A abertura dentro de casa só aconteceu depois da gravidez – revela.
Conversar e saber onde os filhos estão é o mais importante, acredita a psicóloga:
- Esse tipo de comportamento é importante não só na esfera sexual. Muitos pais se preocupam em dar conforto, mas, muitas vezes, os filhos querem conversa e atenção.
Toda hora é hora para falar de sexo com os adolescentes
Para viver a fase da adolescência, que chega cheia de novidades e descobertas, sem sustos, o melhor presente que as mães podem oferecer é a educação. De acordo com o pediatra Paulo César Pinho Ribeiro, além da orientação, é preciso se assegurar de que a informação será revertida em atitudes:
- O melhor momento para se falar de sexo é quando as primeiras perguntas surgem. Se isso não acontecer, os pais podem também provocá-las a partir de fatos do cotidiano.
Descubra outras dicas ‘de ouro’ para lidar com seu filho adolescente:
- Utilize a mídia a seu favor: aproveite assuntos de revista, da TV e do cotidiano para explorar e desmistificar as questões sexuais.
- Saiba que muitas mães não se sentem confortáveis para falar sobre sexualidade com os filhos. Se realmente achar necessário, peça ajuda a um especialista.
- “Liberdade é ter consciência de seus limites”, acredita o pediatra. E eles devem estar presente no dia-a-dia dos filhos desde a infância.
- A rebeldia do adolescente, em geral, vem da estrutura familiar. Logo, ele não será o único a ter de mudar.
- Meninos e meninas devem receber as mesmas orientações, indicam os dois especialistas. Nada de preconceitos. O mais indicado é que os pais conversem com os filhos e as mães, com as filhas.
- Falar sobre sexo não vai estimular seu filho a praticá-lo mais cedo, alerta a ginecologista Isabel Bouzas. A orientação vai contribuir para que ele lide com o assunto de forma mais saudável.
- Procure entender e se informar sobre as transformações por que seu filho está passando. Mas não tema dizer que não conhece algum tema e terá de pesquisar.
- Conversar não significa agir como uma adolescente. Ele espera dos pais apoio, orientação e um comportamento de adulto.
Fonte: O Globo
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